E aí, Belchior?! Sumido, hein, camarada! Vai uma entrevista?
Saia do meu caminho, Kali! Eu prefiro andar sozinho. Deixem que eu decida a minha vida.
Como chegou aqui no Uruguai?
Dentro do carro, a cem por hora, ó meu amor!
Direto?
Foi! Por medo de avião.
Junto com a esposa.
É. Da outra vez, quando eu desapareci, ela arranjou um amante.
Estão falando de você o tempo todo no Brasil, do seu sumiço...
Eu sei! No Corcovado, quem abre os braços sou eu. Copacabana, esta semana, o mar sou eu.
E por que decidiu vir logo para o Uruguai?
Um cara que transava à noite no Danúbio azul me disse que faz sol na América do Sul.
E essa roupa que você está usando, esse frio todo?
Kali, há tempo, muito tempo que estou longe de casa e nessas ilhas cheias de distância o meu blusão de couro se estragou ôu ôu ôu...
E vai ficar para sempre por aqui?
Eu sei que o calor é uma coisa boa, mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa.
Não volta mais para o Brasil?
Kali, não preciso que me digam de que lado nasce o sol porque bate lá o meu coração! Tenho falado à mulher companheira, quem sabe lá no trópico a vida esteja a mil... Mas vou ficar nesta cidade. Não vou voltar pr'o sertão, pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação.
Esse frio não te faz pensar?
O tempo andou mexendo com a gente sim, kali. Gente de minha rua! Como eu andei distante! De qualquer forma, trago na cabeça uma canção do rádio em que um antigo compositor baiano me dizia: "tudo é divino, tudo é maravilhoso"...
E a que conclusão você chegou?
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais...
Fique em paz, Belchior. Eu vou indo. Um abraço cálido.
Um abraço, Kali. Não se preocupe, meu amigo, com os horrores que eu lhe digo. Isso é somente uma canção. A vida realmente é diferente. Quer dizer, a vida é muito pior...
Obrigado pela entrevista, Belchior! Você responde às perguntas como que por música!
Tchau, Kali! Vê se desaparece de vez em quando.
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