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segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Chico e a morena Mariana

A primeira impressão que teve foi a de que se tratava de uma pessoa cativante. Cativante pela própria meiguice. Antes mesmo que alguém pudesse conhecê-la mais profundamente, a leitura imediata que se fazia era essa mesmo: a de uma pessoa extremamente meiga e cativante. E quando passou a conhecê-la melhor, isso se confirmou. Realmente dona de uma simpatia incomum. O jeito de ser, o comportamento um tanto quanto tímido, pelo menos na aparência, era muito legal. Um jeito terno, meio acanhado, sei lá. Muito charme. Pra ficar admirando, realmente.

Daí para a paixão foi um pulo. Caiu de joelhos pela morena Mariana. Procurava sempre ir nos encontros de amigos em que ela pudesse estar. E sempre estava. Nos bares, nos mares, em todos os lugares. Procurava ficar sempre próximo dela. E sempre achava um jeito e uma cadeira para dar conta disso.

Tudo dela o encantava e o seduzia cada dia mais que o anterior, num crescente, rumo a uma paixão completa e avassaladora. Os cabelos negros e lisos, os olhos de jabuticaba, amendoados, a voz macia, saborosa de ouvir, a boca sedutora ..."beijo travesso de umbu-cajá" ...a pele morena, o corpo delineado, os seios... "ai, meu Deus!"

E quando ela falou em dialética, de síntese e antítese, ficou perplexo. "É difícil encontrar alguém que fale dessas coisas, Mariana!", dizia para ela. Se o encanto que ela exercia sobre ele já era grande, com essa aumentou ainda mais. Se toda aquela belezura já o conquistara, a inteligência deu um golpe final em seu coração.

Acontece que ele ficou com receios de tomar a iniciativa de um namoro. O medo de uma negativa e perder as esperanças alí mesmo fizeram-no cauteloso. Preferiu a tática de ir conquistando-a aos poucos. Seria mais certo e mais seguro dessa forma. Conseguiu estabelecer uma relação muito legal com ela. Compartilhavam as mesmas idéias, os mesmos gostos, e ela adorava as brincadeiras e as tiradas dele. Descobriram-se ambos românticos. Ela, como ele, gostava das músicas do Chico. Um dia, na mesa de bar, com os amigos, recitou para ele toda a música Eu Te Amo, verso por verso. A relação de amizade estabelecida ainda não lhe permitia saber se ela fez isso para mostrar seu encanto pela poesia da letra ou se era uma declaração indireta de um encanto por ele. É que, contraditoriamente à segunda opção, ela nunca havia dado a menor demonstração de que alimentava uma paixão por ele. Resolveu então não arriscar. Naquele dia, depois de recitar a letra da música, ela disse que havia perdido dois dos poucos cd's do Chico que possuía, sendo que um deles trazia aquela música. Ele só não poderia adivinhar que essa bucólica revelação iria mudar o rumo daquela relação.

Dias depois, ao ver numa loja a discografia completa de Chico Buarque, lembrando-se da perda dos cd's, teve uma idéia. Ligou dizendo que iria passar na casa dela para deixar um presente. Meio sem jeito, entregou-lhe a coleção completa do cantor poeta. Pediu apenas que as primeiras músicas que ouvisse fossem "Valsinha" e "Roda Viva", as que ele mais gostava. Depois de ouvi-la dizer "obrigado!" e "você é louco!" partiu com um certo pressentimento de perda. Não material. Algo bem mais caro.

O mau pressentimento confirmou-se. O comportamento dela após esse dia, selaria para sempre a relação dos dois. Para ele, um comportamento incompreensível. Ela não falou mais nada a respeito do presente e se tornou arredia em relação ao amigo. Ele esperava que ao menos a discografia buarqueana servisse para alimentar os assuntos entre os dois, independente de qualquer outra coisa, pois a obra de Chico era ampla, rica e ambos curtiam. Mas isso não aconteceu. Pelo contrário. Ele não entendeu a reação dela. Ficou tão triste quanto confuso e contrariado. "Porra, a obra completa de Chico Buarque! Desde que ele aprendeu a fazer cocô sozinho!", resmungava. Achou até que tivesse dado o presente errado. Mas quando leu num blog de uma menina que "ter a discografia completa do Chico Buarque é melhor do que chocolate e quase melhor do que sexo" convenceu-se que o problema não era aquele.

Pensou até em revidar tratando-a com total desprezo, maior do que aquele que agora recebia dela. Ignorando-a talvez a fizesse dar mais atenção a ele. Lembrou-se de quando interessou-se por Bia, que não lhe dava nada a menor bola até ele começar a tratá-la como um verme. "Deu certo, literalmente, pois ela veio se rastejando para cima de mim", remoía. Mas desistiu da idéia da mesma forma como havia desistido da Bia. "Mulher tem que vir espontâneamente, senão não tem graça. Além do mais, tenho nojo daquela gosma melequenta dos vermes", dizia para si próprio, com seu peculiar e cínico senso de humor, que sempre vinha acompanhado de um sorriso sarcástico e ordinário no canto da boca.

Algum tempo depois se encontraram. Ela quis saber a opinião dele sobre qual a atitude que deveria tomar em relação à intenção do ex-namorado que queria voltar para ela.

Por um instante ele calou-se. Fixou os olhos naqueles olhos de jabuticaba e aconselhou-a com a serenidade e sinceridade de um profeta: "Mire-se no exemplo das mulheres de Atenas!".

E foi embora.

Por uns momentos sentiu-se caminhando lívido, sem forças. Mas não tardou a apresentar um repuxão atrevido no canto da boca. Um sorriso amargo e cínico que só ele entendia, incompreensível para o mundo.

Kali.
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Não falo de mim,
mas do mundo,
bem mais importante
e interessante.
Quiçá, mais bonito :Þ

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