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quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Um domingo de votação

Imagem: Buraco da Fechadura
(Adaptado)

A manhã estava radiante. Um sol de iluminar as mentes mais obscuras. Não sabia que dia de Referendo fosse tão bonito assim. Mas sabia que tinha que votar. Sua seção eleitoral ficava a mais de dois quilômetros de casa. Decidiu ir a pé. Assim poderia sentir melhor a cidade em que vivia e, depois de tanto tempo, percorrer mais atentamente os olhos sobre a rua em que morou quando criança, onde dava até para jogar bola, de tão calma que era. Naquela época, nem calçamento tinha. Hoje asfaltada e com um trânsito medonho. Então disse para si mesmo: "Vou pegar meus óculos de sol e calçar meu tênis de chover, chover gols nas quadras de futsal haha". Rir e votar eram coisas que ele dizia saber fazer sozinho, obrigado. Votaria no Sim, sim, pela proibição do comércio de armas. Sabia que o Não iria ganhar. Não porque as pesquisas indicassem. Ele tinha uma explicação bem natureba para isso: todo animal, qualquer um, mesmo os que se equilibra em dois pés, sempre procura mostrar valentia quando se sente acuado, desesperado.

E saiu para votar. A pé, prestando atenção nas casas que passavam por ele. Por ele e pelo sol, se acreditarmos no que ele falou, ao fazer um sinal para o céu com o dedo em forma de gancho, por trás de suas costas, quando saía de casa, chamando o astro-rei: "vem comigo!".

Fez uma parada em frente à casa onde morou até os 14 anos. Estava bem modificada. Lembrou-se dos irmãos, da mãe, do terraço... ...do nó na garganta e continou a caminhada. Mais à frente avistou a entrada do beco por onde cortava caminho para chegar mais rápido à Escola onde estuda e escrevia tudo quanto era algarismo e onde agora só iria digitar o número 2. Pensou em fazer aquele mesmo trajeto para reviver os momentos de uma travessia feita em meio a crianças pobres, cachorros magros e mulheres gordas. Mas a presença de um morador sem camisa numa varanda de um pequeno e mal cuidado prédio na entrada do beco, como que vigiando o acesso, mais o receio de ser abordado como invasor de território fizeram-no continuar a caminhada pelo caminho mais longo, porém mais largo e mais certo. Passou então em frente à casa onde morava Ana, a garota por quem se apaixonou e nunca beijou. "Ela nunca me kiss haha". O nó da garganta já havia se desfeito por completo.

Em sua caminhada rumo à urna eletrônica encontrou antigos companheiros de pelada. Todos pobres. Todos negros. Todos amigos, todos eternos. Ele, branquelo, destoava da maioria de pele escura nas peladas diárias batidas à tarde, num campinho próximo dali. Ficou feliz porque um deles, sem que lhe perguntar, disse que votaria no Sim. Aos demais também não perguntou, pois achava que era uma intromissão desrespeitosa com aquelas pessoas tão simples e sinceras. Sentiu-se muito satisfeito por ter tomado a decisão de ter ido votar a pé e ter se encontrado com aquelas pessoas.

Na volta, olhou para a outra saída do beco por onde evitou passar na vinda e por onde entrava quando voltava da escola (depois que soube onde Ana morava, não passava mais por ali, mas em frente da casa dela, a não ser quando estava mesmo muito atrasado). Na entrada, um grupo de rapazes conversava. Continuava com a mesma vontade de passar por lá, mas os receios também continuavam. Entrou assim mesmo. "Exerci o papel de cidadão brasileiro, não exerci? E, que eu saiba, esse beco é uma parte do solo da Pátria Amada, não? Então, tenho o direito de passar por aqui, oras!", dizia para si mesmo, sem medo de ser infeliz, pois, dentro de si, ria muito dessa frase.

Foi passando com naturalidade de um morador do beco, sem olhar para os lados, muito menos para trás. Sabia que, se desse muita bandeira, pensariam que estava perdido e poderia ter complicações. Mas aproveitou para sentir aquele espaço. Já não eram cd's que tocavam alto dentro das casas, mas DVD's. Banda Calypso e essas coisas. Suingue bom. Viu cartazes mal escritos anunciando serviços de manicure, venda de chupe-chupe, que grafavam xup-xup ...essas coisas. Sentiu toda a desigualdade social. Naquela hora e naquele feriado poderia estar bem longe dalí, em seu carro esporte, mas quis reviver os momentos quando passava por ali despreocupado, com a mochila de cadernos. Já estava formado num curso superior, ma tudo havia parado no tempo, desde sua última passagem, quando ainda fazia o 1º grau e agora se deparava com a continuidade das cenas que viu pela última vez: o garoto que iria chutar uma bola furada para o gol, agora chutava. Fora. Uma menininha conseguia finalmente atravessar o bracinho de uma boneca por um pedaço de sacola plástica que achou no lixo e fazia as vezes de roupinha. Um cachorro magrela roía ainda o mesmo osso e um garoto, depois de tantos anos, ainda não havia atendido os gritos de sua mãe para ir para casa.

Ficou pensando no fato de aqueles moradores votarem contra a proibição do comércio de armas, sem que jamais pudessem comprar uma arma, mesmo se quisessem. Uma arma com taxas de registro, porte, munição etc não sai por menos de R$ 3.000,00. Considerando que um dos principais motivos de se ter uma arma é o de proteger o patrimônio, os bens mais valiosos, aquela gente compraria uma arma para defender... a própria arma. E enquanto caminhava, ficou tentando entender como os pobres são levados a comprar e defender idéias que só aos próprios ricos interessam.

Finalmente chegou à saída do beco. A mente, confusa como sempre, o sol, brilhante como nunca.

Com o corpo suado, tirou a camisa e jogou-a sobre um dos ombros, deixando o outro para que o sol pousasse sua mão cálida. E foram abraçads até o portão de casa, quando se separaram. Ele se despediu do sol assim: "Valeu o calor da companhia, gente boa! A gente se vê à tarde na praia!".

E ainda brincou antes de entrar e beber um copo d'água gelada. "Pô! Tu dorme cedo, hein, cara! hahaha".

Rir era uma coisa que realmente ele sabia fazer sozinho.

Kali.
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Não falo de mim,
mas do mundo,
bem mais importante
e interessante.
Quiçá, mais bonito :Þ

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