REENCONTRANDO HELENA por kali (Texto revisto por ter sido publicado com erros)
Eu a avistei no shopping fazendo compras com seu filho. Ela ficava apontando um e outro brinquedo da vitrine e ele ria, ria que não acabava mais. Cada brinquedo, uma gargalhada. Era época de Natal. Eu tinha ido ao shopping mais para espairecer a mente, olhar o movimento do que propriamente para comprar presentes. Meu índice de consumismo, baseado no meu nível de empolgação para compras é muito baixo para o capitalismo. Se os capitalistas pudessem se materializar numa figura humana e essa figura estivesse agora aí ao meu lado eu iria levar um tapa tão grande no pé da orelha que ficaria rodando um bom tempo no shopping, até comprar alguma coisa.
Lá estava ela, olhando as mercadorias da vitrine com o filhote. E eu olhando para a menina que conheci há tanto tempo atrás. Eu, primário como a escola. Ela, Leninha, de Helena, de Tróia. Quando soube da história de Tróia, claro que me imaginei Páris. Como me apaixonei por aquela garota! Freud não saberia explicar, já que nem Deus entendeu. Tivesse entendido, a teria feito gostar de mim. E eu, em minha apaixonada e vã filosofia, acreditava que essa paixão seria um dia correspondida. Bastava apenas que ela soubesse de minha adoração por ela para que revelasse a dela pela minha. Só isso. E então ficaríamos juntos e felizes para sempre, até que a morte nos unisse ainda mais.
Acontece que ela soube. Nem precisei dizer. Isto é, não precisei dizer com a boca o que todo meu corpo e todos os meus movimentos e gestos diziam em alto e bom tom. Tipo roubar vários beijos, por exemplo. E não aconteceu nada de extraordinário por parte dela, a não ser o fato de passar a me tratar com uma maior educação do que me tratava antes. As mulheres tem essa irritante atitude de tratar com uma polidez afetada os garotos que por elas se apaixonam. Mas na época eu nem percebia isso. Só bem depois, quando a loucura da paixão foi dando lugar à minha razão insana.
E lá estava ela. Sem querer dar uma de Machado de Assis às avessas, aquele garoto poderia ser meu filho. Como ele seria? Sei lá. Quem vai saber? A única certeza é a de que seria um kalizinho no meu pé. Mas isso não importa mais. Foi-se.
A última vez em que a havia visto foi numa festa. Ela estava dançando com um rapaz com quem começou a namorar naquela noite e que viria a ser o futuro pai desse seu filho. Essa última e esclarecedora visão de sua bela silhueta aconteceu logo depois que ela me negou um convite para dançar. Alegara cansaço. Hoje está sozinha com o filho. Seu verdadeiro Páris, que a tirou de seus pais, a abandonou por outra. O que será que ele alegou? Cansaço? Quem há de saber? Ela, ele e o diabo, talvez.
Peguei a escada rolante. Fiquei olhando para ela até que meus olhos não a alcançavam mais. Fiquei pensando se eu a perdi porque não soube expressar o que realmente sentia. Nessas minhas divagações retrospectivas acabei compondo uns versinhos.
Tentei por um beijo
dizer que te amava.
Não consegui.
Por uma flor,
Por um calor.
Por meu falar,
Por me calar.
Por um presente,
Por um futuro.
Não consegui.
Por mais que tentasse,
por mais que insistisse.
E do que ficou
(não ficou muito, tu fugiste),
não ficou claro,
ficou triste:
Ou não te amo
ou o amor nem existe...