Como é de praxe, um conto de Natal (vocês leram o do ano passado? Nããao? O título foi Os Olhos do Velho, publicado em 13 de agosto deste ano rsrs. É só clicar no calendário aí ao lado. Por falar nisso, ficou legalzim o calendário dos arquivos, não ficou não? Claro que ficou :Þ )
Boa leitura. Deste e do conto anterior, se quiserem ler. Depois podem se emocionar e aplaudir, eu deixo :)
TEMPESTADE DE NEVE por kali
Avistou-a no shopping. Era dezembro e ela fazia as compras de Natal. Na verdade, nem tinha muita certeza disso, pois teve escrúpulos até em saber que tipo de mercadoria comprava, se eram presentes ou não. Não se permitiria ter com ela essa intimidade, ainda que ela não fizesse a menor idéia de que ele estava por perto. O fato é que ele não a vigiava tanto no presente quanto a observava no passado, de memória.
Lembrou-se de quando a viu pela primeira vez, no mesmo e exato momento em que sua vida conheceu a paixão. Os primeiros beijos, os galanteios idiotas, as brincadeiras... Coisas de criança, crianças que eram. Coisas que não deram em nada, talvez porque nada fossem.
Lembrava-se especialmente de momentos em que ele fora protagonista. As insinuações, as investidas, as indiretas. Mas lembrou-se especialmente das diretas. Talvez por causa das recusas, que tanto lhe marcaram.
Mas não guardava mágoas. Na verdade, não conseguia entender muito bem o que acontecia. A paixão que conhecera no mesmo dia em que a viu o cegava por completo.
Lembrou-se até da noite em que a chamou para dançar e ela recusou alegando cansaço, para logo em seguida vê-la dançando com aquele rapaz com quem mais tarde iria se casar. Achou engraçado aquilo, pois ele percebeu que ela realmente estava cansada quando lhe respondeu. Um sorriso irônico lhe escapou. "Bem, ao menos comigo era sincera."
Lembrava-se agora da última vez em que ela o procurou. Foi depois que o marido a abandonou. Ficava pensando se a culpa do fim do casamento fosse por falta de sinceridade na relação. Outro sorriso irônico. Lembrava-se agora de sua própria recusa às investidas dela. Automaticamente lhe veio à mente os últimos versos de um poema que escreveu no mesmo e exato dia em que aquela paixão saiu para sempre de sua vida.
Tentei dizer que te amava.
Não consegui.
Por mais que tentasse,
Por mais que insistisse.
Não consegui.
E do que ficou
(Não ficou muito, tu fugiste)
Não ficou claro, ficou triste:
Ou não te amo
Ou o amor não existe
Ele não se esforçava mais em procurar entendê-la. Mais do que tudo ele queria compreender as forças que levavam duas pessoas à negação uma da outra e de si mesmas. Mas disso também já desistira. Voltou seus olhos para o movimento do Shopping.
Nada lembrava o espírito natalino e seu clima nórdico. O tempo quente, Papai Noel suado, o desencanto no lugar da expectativa...
Nada.
...Exceto a nevasca que agora irrompia em seu peito.