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segunda-feira, 17 de novembro de 2003

As cores do Vital, o direito ao riso e a segregação social

Acontece que em Vitória tem o Vital, carnaval fora de época. O deste ano terminou ontem, domingo (caso fosse na cidade de Fátima, fico imaginando se a festa não se chamaria 'Fatal', ou se Bossuana não teria o seu "Boçal"). É uma festa da classe média, para os filhos da classe média, especialmente de Vitória, Vila Velha e adjacências, mas vem muita gente de fora, principalmente do Rio e Minas Gerais, talvez porque o Rio não tenha o seu "Ritual", nem Minas o seu "Mineral", ou Belo Horizonte o seu "Horizontal", sei lá. É uma festa que rende muito dinheiro para os organizadores e, creio eu, também para os traficantes, pois o volume de drogas que rola, segundo dizem, é grande, sem falar, claro, das músicas que tocam por lá. O Vital ocupa espaço público da Praia de Camburi, impedindo o trânsito local e obrigando os moradores de Jardim Camburi e dos bairros próximos a darem uma volta de quilômetros, a não ser que queiram se aventurar a ir e vir por mar.

O Vital é um sucesso de público. Atrai milhares de jovens e de adultos que querem se sentir jovens. Gente fina, gente grossa, artistas globais etc. e tal. Mas tem quem não gosta. Nesse período, por exemplo, igrejas evangélicas e mesmo católicas organizam grupos de oração, de louvor ou de retiro espiritual do tipo "Tchau, Tchau, Vital!", tentando talvez exorcizar o mal da alegria e da descontração. O conflito é apenas aparente: na verdade, seja atrás do trio elétrico ou da Santíssima Trindade, está cada um indo atrás de seu ópio predileto.

Mas não era sobre essas coisas que eu queria falar a respeito do Vital (a desrespeito, seria melhor). É sobre algo bem mais importante, creio. Nada contra jovens se divertirem e se beijarem na boca uns dos outros seguidamente, até não poder mais. Acho que faz parte do espírito da juventude atual. Caberia a um sociólogo falar disso. Não, o direito ao riso deveria ser sagrado. Quando a burguesia levantou contra a monarquia a bandeira da liberdade, igualdade e fraternidade, deveria ter colocado nela também o direito ao riso. Se não o fez, foi porque sabia não poder assegurá-lo para todos, especialmente para a nascente classe trabalhadora. Só que, diferente das outras três famosas reivindicações, ficaria muito mais evidente a impossibilidade burguesa de garanti-lo a todos, pois o riso é um direito muito mais palpável, por mais que existam risos falsos por aí.

Acontece que, como outras festas do gênero, o Vital representa uma segregação social das mais repugnantes. Não me admira que em países civilizados não existam festas desse tipo, em que fica tão exposta a divisão entre ricos os pobres, mesmo porque alhures essa diferença não é tão brutal como é no Brasil. E o Brasil, definitivamente, não é um país civilizado, menos ainda o Espírito Santo.

É claro que nem todo mundo vai ao Vital para se divertir. Existem os que trabalham para segurar a festa, como os garçons dos camarotes, os faxineiros, os técnicos de som, os que vão lá para catar latas de cerveja para sobreviver etc. Pois bem. Mas existe um tipo de trabalhador do Vital que encarna todo o apartheid que a festa representa. São os o que seguram a corda separadora entre os que pagaram e os que não pagaram, entre os vestidos com abadás e os descamisados de abadás. Maioria de origem negra, são eles chamados de "cordeiros" (a palavra possui uma conotação muito forte e muito aplicável à situação, embora, na minha modesta opinião, acho que a palavra correta para designá-los seria cordoeiro ou cordeleiro, mas o que isso importa?). É impressionante a cena. Digna do Império Romano ou de qualquer outra sociedade escravocrata, não de uma sociedade do século XXI: do lado mais clarinho, os filhos da classes média e alta, e do lado mais moreninho, os filhos das classes desafortunadas da nossa sociedade, pegando a rebarba do som que, de tão alto, atinge ricos e pobres indistintamente.

Se um daqueles negros que seguram a corda visse a festa pelos olhos da sua raça, ele diria: "Puxa, nos tiraram da nossa terra, nos roubaram uma pátria, roubaram-nos até feijoada que fizemos com os restos suínos que atiravam fora, se apropriarem do samba que conseguimos extrair até do batucar de uma caixa de fósforos e, não satisfeitos, ainda nos roubaram a festa que inventamos, o Carnaval. É preciso um dia romper essas cordas que divide o povo para que essa festa volte a ser do povo".

Coisa que estaria nas mãos deles, literalmente.

Essa é minha redação sobre o Vital, o Carnaval fora de época de Vitória. Espero que a professora goste.

...Que ela não tenha pulado.

Kali.
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Não falo de mim,
mas do mundo,
bem mais importante
e interessante.
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