Ontem à noite fui cortar o cabelo. O cabeleireiro, indicado por um amigo meu, atende num bairro longe de casa. Sabe aquele bairro “de casas simples, com cadeiras na calçada”, em que a vida flui de maneira mais autêntica, mais calorosa e mais humana? Pois é. Foi lá que eu fui.
Eu me atrasei com o engarrafamento no centro e, quando cheguei, o cabeleireiro Valdo (o nome - e só o nome - é fictício nessa história) não estava. Eu marquei às 19:30 e já eram 20:00. O pessoal da casa informou que ele tinha ido nas proximidades participar de uma novena (não falei que ali a vida flui de forma prosaica?) e não demorava.
A casa onde o cabeleireiro mora e trabalha fica numa ladeira. Sentei-me na calçada e fiquei observando o lugar. Na casa em frente, preparativos para um churrasco que a proximidade do Natal motivava. Da janela, a moradora convidava a vizinha da casa em frente e em cuja calçada eu aguardava o retorno do Valdo. Subindo a ladeira, duas garotas animadas conversando em alto e bom tom, provavelmente vindo de uma academia nas proximidades, pois suas roupas de malha indicavam isso. Entraram na casa onde seria feito o churrasco. Entraram e logo depois saíram, descendo a ladeira, conversando no mesmo tom esbaforido com que subiram. A vida fluía, subindo e descendo a ladeira. Sentado na calçada, assistia a tudo, não dizia nada, como aquela capa do Roberto, pendurada.
Estava extasiado, não apenas pelo bucolismo das cenas que se desenrolavam diante de mim, mas principalmente por ter recebido à tarde um e-mail de frases belas, cheio de elogios à minha pessoa, apenas porque eu deixei um pequeno poema num blogue repleto de poesia. No e-mail, a dona do blogue dizia, entre tantos elogios, que eu fazia poemas com as coisas mais banais. Fiquei pensando nisso. Maravilhoso o e-mail. Impagável. Mas acho que se alguém extrai poesia de alguma coisa é porque ela já está lá, latente, pulsando, pronta, só esperando que alguém a cutuque, a assanhe, para que ela possa explodir em forma de versos. Assim:
POESIA LATENTE
Uma simples flor
Esconde a vida em furor.
É só mexer.
Num simples sorriso,
Puro fogo escondido.
É só acender.
Kali.
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Não falo de mim, mas do mundo, bem mais importante e interessante. Quiçá, mais bonito :Þ