Quis eu saber de seus segredos,
De suas ousadias, dos seus medos,
De suas dores, dos seus brinquedos.
Mas nem deu para saber do enredo.
Sem você mesma se despir, não há quem te desnude.
Mas fiquei à espreita, aguardando,
Feito água rala encostada à grossa parede do açude.
Até que um dia abriu-se uma comporta:
O seu quarto, atrás daquela porta
Que nunca se abriria para não invadirem sua horta,
A não ser para quem já era da sua horda.
Seus livros, seus bichos de pelúcia,
Sua individualidade viva, sua natureza morta.
Seus vasos mais finos, sua artéria aorta,
Tudo atrás de uma porta.
Visita bem rápida, formal,
Como o acorde com que acordei seu piano digital
Meio, sei lá, bemol.
Nem deu para ver direito aquele bichinho estranho
Que você guarda num vidro de formol.
O bastante, mesmo que pouco.
A oportunidade de que precisava
Essa minha ânsia por tua voz
Que me deixava rouco,
Esse desejo de fazer do mim e ti o nós
Para desfazer os nós que me deixavam louco.
Só um dia depois você se deu falta
Da pelúcia de que mais gostava.
Seu cachorrinho mais quieto, o bichinho mais mudo,
Que, sob a promessa de ser devolvido
Aos braços em que sempre era envolvido
Antes de ser encontrado o sono perdido,
Não suportou e de ti contou-me tudo.